sábado, 24 de abril de 2010

Enquanto a chuva não vem

- A chuva não veio.
- Espera que ela chega
E cai de mansinho
Sem que você perceba.
- Mas olhe para o céu,
Ele já está se abrindo!
Onde está a chuva?
Ela se foi,
Voou p'ra outras bandas.
- Não, ela ainda está aí,
Bem em cima da sua cabeça,
Ela gosta de brincadeiras,
Assim como você.
- Ah, ela gosta de esconde-esconde!
E não é que ela conseguiu,
Me enganou direitinho!
Tudo bem dona Chuva
- disse voltando-se ao céu
- Vou fazer outras coisas
Enquanto você não vem.
*
E foi o que ela fez,
Aproveitou o resto do dia
Mesmo com pouco sol
E muitas nuvens.
Pisou sobre a grama
E aquela foi uma tarde
Como outra qualquer,
Mas não para ela.
Brincou, pulou e se divertiu
Como não fazia há algum tempo
E aquele dia normal,
Tornou-se um momento único.
*
E a chuva?
Até se desapegou dela
Mas ela não se esqueceu de cair,
E caiu de mansinho
Como a mãe havia descrito.
E sorrindo para ela, disse:
- Agora cai a chuva,
Já é chegada a hora de dormir,
Boa noite mamãe.
Beijou o rosto da mãe
E foi ao quarto.
Dormiu um sono profundo
Que no dia seguinte
Até se esqueceu de acordar,
E dormindo permaneceu
Por vários dias
Até não mais acordar.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

Pássaros na gaiola

Pássaros na gaiola
Não cantam
Em canto algum,
Não cantam
Em lugar nenhum,
Ao contrário
Dos que longe voam
Que cantam
Em lugar qualquer.
*
E assistindo o coro
Dos pássaros
Que longe voam
Mudos ficam
Silenciam os pios
P'ra ouvi-los cantar.
*
Vivem engaiolados
Resignados
Ao egoísmo humano
De um terráqueo
Que por vaidade
Os prenderam.
*
E assim os cativos
Vivem suas vidas
Comendo e piando
Há ainda aqueles
Que arriscam o canto
Soltam alguns acordes,
Mas nada adianta.
Passarinho na gaiola
Não canta canto algum,
Lamenta.
*
*
*
Hellen Fonseca 23/04/2010

domingo, 11 de abril de 2010

Um marrom chamado castanho

Não há nesse mundo
Marrom artificial algum
Que me apraz os sentidos,
Nem mesmo o da toalha
Que utilizei ainda há pouco
Após o banho diário.
Tampouco, não quer dizer
Que não há em mim
Sentimento algum de gratidão
Pelos pertences que possuo.
*
Mas há algo incomum no marrom,
Faz despertar em mim
Vibrações estranhas,
Medo
Fobia
E por que? Não sei.
Talvez um médium
De alta hierarquia saiba.
*
Há nesse mundo apenas um marrom
Que verdadeiramente me apraz
E é o marrom dos olhos dele
E por muito me aprazerem
Prefiro chamá-los castanhos.
*
E quando os castanhos dos olhos dele
Se encontram aos meus quase verdes
Que bela mistura de cores não seria?
Não obstante, isso não acontece mais
Não consigo olhá-lo nos olhos.
Não posso,
Sinto medo,
É mais forte que eu.
E é tão grande
Que consegue superar a fobia
Que sinto por mil toalhas marrons.
*
*
*
Hellen Fonseca 11/04/2010

Em qualquer lugar do mundo, num lugar qualquer

Se existisse em algum lugar do mundo
Uma casa com paredes macias
Eu de certo a compraria
Pr'a abrigar o nosso amor,
Num lugar bem aconchegante
E protegido do frio do inverno
E do calor exaustivo do verão.
Existe nesse mundo
Casas cujas paredes são de barro
Ou de laje cimentada,
Essas sem dúvida
São as mais frias e gélidas
E não servem p'ra nós dois.
Um dia eu vou encontrar
Ou eu mesma irei arquitetar
Uma casa cujas paredes
Sejam de cetim e o chão de veludo
Pr'a abrigar o nosso amor.
Mas ainda me lembro
Que é do tipo aventureiro
E prefere uma palafita
A um palácio Imperial.
De luxo nada temos
E não me queixo
De me abrigar contigo
Em qualquer lugar do mundo
Numa barraca qualquer.
*
*
*
Hellen Fonseca 11/04/2010

Clareira em meio a noite escura

Dirigindo a longa estrada e rasgando a noite, tudo estava tão escuro como se tivessem apagado a Luz de todo o Universo e nenhum ser celestial sequer se lembrou de reacende-la. Sem opção, continuei a acelerar o veículo pela noite adentro e optei por utilizar o farol alto. A luz era intensa a ponto de ofuscar a vista de alguns motorista que passavam por ali no sentido oposto, rumo ao centro da cidade.
E naquela noite escura de outono pude avistar uma clareira: "Eles ainda estão me esperando" - pensei. Acelerei o carro até atingir a marca dos cem quilometros por hora, o que significa alta velocidade para aquela estrada recém reformada cujo destino final dava para os sítios e chácaras. É nesse lugar que vivem os humanos que ainda gostam de verde e rejeitam a poluição.
Abri o portão e estacionei o carro no mesmo lugar de costume. Peguei meus apetrechos e entrei naquele aconchego o qual prefiro chamar de Lar. Papai cochilava no sofá e mamãe falava ao telefone com a filha mais velha. Logo ela desligou e soltei um caloroso "Boa noite família!" - papai abriu a pálpebra cerrada e a mãe soltou um suspiro - finalmente a família estava completa.
*
*
*
Hellen Fonseca - 09/04/2010

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Aos meus camaradas

Desejo agora um murro
De preferência na cara
De um alguém qualquer
P'ra acalmar-me os nervos
E descontar toda raiva
Desse dia agourento.
*
Um murro certeiro
Bem em cheio no olho
Ou no nariz pontudo
Ou em uma boca
Repleta de dentes
Cujo sorriso é metálico.
*
Um murro p'ra obstruir
E fazer sangrar as veias.
Desse soco quem sabe
Minha mão se faça doer
Mas não há problema
O que realmente importa
É o inimigo cambalear
E quem sabe cair.
Aí então eu gargalharia
Até não mais poder
Daria risos maquiavélicos
Até os olhos chorarem.
*
Malditos são eles
Não se cansam
Não se cansam de me trair.
Malditos olhos
Quase verdes
Que não conseguem dissimular
Que não sabem disfarçar
Sentimento d'amor.
*
Desejo a insensibilidade
De um cético qualquer,
Talvez um engenheiro
Ou um cientista social marxista
Ou um filósofo materialista
P'ra não mais trair a razão
E não mais trocá-la
Pelo espiritualismo mundano
Pela sensação metafísica
De não pertencer a esse lugar.
*
Desejo agora um murro
Não em algum rosto vivente
Mas em mim
De preferência nesses olhos
Quase verdes
Que não sabem dissimular
Sentimento d'amor
Ou quem sabe um soco
Nessa cabeçorra
Que não cessa o pensamento
Um instante sequer.
*
-Dai-me um pouco de sossego,
Oh vil pensamento.
Tu não te cansas de pensar?
Pois saiba que eu canso
De digerir tais informações.
Elas são densas demais
Não há algo mais sutil p'ra se pensar?
Algo mais...
Leve,
Delicado,
Macio,
Suave...?
*
A consciência às vezes
Precisa de um refúgio
Pr'a acalentar os pensamentos
E recuperar um pouco
Daquela antiga esperança
Que fora depositada
Sobre a espécie humana.
*
Não obstante,
Não encontrei ainda
Refúgio em ambiente urbano
Capaz de conter meu vil pensamento.
Só o achei no subjetivismo
No encantado Mundo das Idéias,
No Mundo Ideal
Ou se preferir, no Paraíso.
*
E cá estou eu de volta
Ao bom e velho espiritualismo
Mais ideal e menos mundano
Como matéria consciente
Cuja Essência Divina busca a forma.
*
*
*
(Hellen Fonseca - 07/04/2010)