domingo, 27 de dezembro de 2009

Aleluia de Handel



E ontem tive a permissão de vislumbrar uma orquestra bem adiante de meus olhos. Chegado foi o maestro com seu pequeno bastão em mãos. Não sei se posso chamar esse objeto assim vulgarmente por esse nome. Espero então que os músicos de alta hierarquia não se ofendam com tal colocação, visto que sobre música erudita sou quase leiga.

Ao chegar frente aos músicos, fez gestos suaves comandando a todos com suas mãos. Indaguei o significado de tal gesticulação e não encontrei resposta para cada movimento em específico. A única certeza é que todos ali podiam compreender sua intenção, pois a música era deveras harmoniosa. E não somente devo atribuir esse adjetivo, pois os momentos de arrepio e comoção também foram constantes.

Ele desenhava no ar com seu pequeno bastão e todos interpretavam a intenção no próprio instrumento. Não consegui enxergar mais o maestro, mas um mágico sem cartola que fazia a magia da música surgir através da arte de movimentar sua varinha. E assim o fez por dez canções.

Ao chegar à décima primeira, tudo foi diferente. Não porque ele deixara de ser mágico, muito pelo contrário. Era chegada a hora do grande desafio do maestro para os músicos: Aleluia de Handel.

E assim fez o gesto para que entoassem a primeira nota. Não havia tanto a suavidade de outrora, os seus movimentos agora eram ágeis e para acompanhá-lo era preciso ser um músico deveras perspicaz.

Na verdade, era muito mais simples. Sua intenção era de a todo momento, desafiar os músicos a acompanharem seus rápidos movimentos, a fim de descobrirem até onde podem chegar. E assim o fez por exatos três minutos e quarenta e nove segundos quando o suor escorreu-lhe sobre a fronte. Então finalizou e agradeceu, em nome dos músicos, à platéia pelos merecidos aplausos que recebera.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Estrela da Noite de Natal


É quase fim da noite de Natal e daqui algumas horas vou me despedir desse dia vinte e cinco. O dia foi bem agradável com a família. Há sempre muita comida para pouco estômago digerir.

Passada foi essa data e não me esqueci de olhar para o céu. Do alto foi avistada uma grande estrela: "Estrela de Natal!" - pensamos nós ingênuos durante a ceia. Ela estava sozinha em meio a escuridão. Nos distraímos brevemente e vimos passar um avião, para o desapontamento geral da família. Depois disso não me lembro de mais estrelas. O que são elas afinal?

Sobre estrelas podemos utilizar termos científicos quase indomáveis, mas elas não tem nada a ver com isso: estão lá no alto do céu e não vão deixar de brilhar por isso. Não importa quantas fórmulas apliquemos para calcular a distância, nada mudará esse fato.

Há aqueles que desejam ser como estrelas e eu indago: por que? Elas estão aí, no alto de nossas cabeças, contudo nos fazem companhia somente a noite, quando há solidão. Devo admitir que sou deveras desconfiada acerca desses astros: será que estão vivos de verdade? - Até mesmo a mais fajuta das ciências afirma que elas possuem vida ou seja: começo, meio e fim. Será que esse brilho que tanto me fascina é oriundo de uma estrela viva? - Não sei, às vezes prefiro nem saber.

E se for como a lua que somente reflete a luz de outros corpos celetes? Será que me enamorei por uma estrela sem fonte geradora? Não há certeza de que ela seja um Sol, nem tampouco há certeza de que ela esteja viva.

Agora ainda me lembrei que existem estrelas cadentes que vagueiam no espaço durante bilhões de anos, sempre fazendo o mesmo percurso, visitando planetas e os olhos de alguns observadores. Essas são as mais incríveis, é impossível resistir à tentação de não lhes fazer um pedido. Apesar do encantamento, são as mais perigosas, pois são apaixonantes. E para revê-las, é necessário um longo tempo de espera.

Brilha no alto do céu a minha estrela de Natal, o dia vinte e seis já é quase chegado e ainda não descobri se ela ainda vive, se é um sol ou se é como a lua. Sei somente que não é cadente.



terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Um presente para o meu amigo secreto


Hoje me debrucei sobre a arte como há muito tempo não fazia. Sentei em minha escrivaninha e desenhei uma flor de oito pétalas, em seu miolo escrevi uma mensagem singela ao meu querido amigo. É chegado o Natal e essas brincadeiras se fazem com frequência nessa data. Recortei a flor, pétala por pétala e pintei-lhe todos os vértices de roxo quase lilás.

Percebendo minha demora, um ser humano muito amado ingadou se eu estava ocupada. Disse-lhe que estava fazendo um presente para o meu amigo secreto. Descrevi a Flor Mágica: veja o que acontece quando ela repousa sobre a água com todas as pétalas dobradas. E falei propositalmente, sei o quanto ele gosta de mistérios. Não obstante, disse bem cientificamente: ela abre porque a água faz dilatar o papel. Senti naquele momento como se ele tivesse afogado meu próprio Lótus. E se fosse para ele o presente? Fazia aquela flor com minhas mãos tentando trazer-lhe a vida. O seu desabrochar perante os olhos humanos seria então um milagre, mesmo sendo ela de papel.

Fiquei deveras desapontada com a falta de sensibilidade dele a ponto de comentar sobre isso. O diálogo não foi um dos melhores e logo ele saiu. Enquanto ele se ausentou, refleti e logo tratei de confeccionar uma Flor Mágica para alegrar-lhe o dia.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

O encontro


O encontro entre o amador e a pessoa amada é sempre um momento muito esperado, pelo menos para aquele. Basta somente a presença desse para fazê-lo mais feliz, uma troca de olhares, um pequeno gesto são coisas simples que fazem o coração bater depressa quase alucinado.

Se em meio a essa pequena troca houver um caloroso abraço, mais feliz estará o amador. É como se por uns instantes, o mundo realmente parasse de girar. Não existe ninguém por perto mesmo que ambos estejam em meio a multidão. Há a concretização daquilo que acontecia somente no plano da imaginação. É um momento mágico entre o amador e a pessoa amada. São conhecedores dessa sensação somente os terráqueos mais humanos, os apaixonados como bem gostam de dizer.

Mas para todo bom encontro, mesmo ele seja breve, há sempre uma triste despedida para quem verdadeiramente ama. E não há o que se possa fazer. Deixo somente a alegria daquele momento único contagiar meu espírito e espero o mês seguinte na incerteza de abraçá-lo novamente.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Uma roteirista


Quando é tempo do frio gosto de me sentar ao sol e nada fazer, deixo somente o tempo passar. A imaginação corre e é como se eu assistisse um filme. As vezes, ser a protagonista parece um fardo e em outros momentos, é um delírio. É sempre um romance e como toda boa história de amor, há sempre um príncipe encantado. Mas dessa vez ele não é tão encantado assim, diria somente encantador. Sem dúvida essa é uma das maiores qualidades desse ator que divide cena comigo. Olho para ele e consigo enxergá-lo por dentro, é como se eu tirasse um Raio X com os olhos. Vejo nele características de uma pessoa incomum e realmente digo que é uma existência única, rara essência. Ser sensível a isso não é uma virtude que vem de graça, pois também sou capaz de ver seus defeitos e opiniões divergentes das minhas.

Não é preciso dizer que esse é um dos de estarmos agora separados. Quanto a mim, confesso que ainda escrevo muitos roteiros pensando nele.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

À minha Maçã do Topo



Se um dia me perguntarem o que ele significa para mim, eu diria metaforicamente: ele é a minha maçã do topo. E sei que vão me olhar com dúvida e indagarão o porquê. Então direi somente que ele é a minha maçã do topo, aquela que é mais bonita, vermelha e suculenta. E por ser tudo isso, só poderia estar no topo da macieira.

Ah minha querida maçã do topo! Que saudade eu tenho daquela época em que eu era sua gentil larva que habitava o seu interior. Abrigou-me por pouco mais de um mês e posso afirmar que fui o inquilino mais feliz do jardim.

sábado, 12 de dezembro de 2009

O Equilibrista


E um dia estando eu disfarçada disse a ele: há uma linha muito tênue que separa a perfeição da loucura. E dentro de mim pensei: caminhar sobre ela é uma dádiva dos perfeccionistas. Quanto há de insanidade em se submeter a tal empreitada? Nisso me vi sentada em uma platéia e diante de mim havia o Equilibrista e sua linha, pronto para executar o número.

A linha se encontrava no alto de um picadeiro, mas não era um circo qualquer. Era o circo da embriaguez, por isso ela não era reta. Possuía curvas e saliências ao longo de sua trajetória. Um passo em falso e a queda seria fatal: não havia cama elástica para amortecê-la. Algumas fraturas, ou talvez o pescoço quebrado - para ou teatraplégico - ou ainda um desmaio, coma ou morte.

Começou então a façanha, enquanto o equilibrista desfilava em sua própria passarela, a platéia ia a loucura, roíam as unhas, as cutículas, alguns soltavam: "ohh!" outros: "aii cuidado!!" e havia ainda os que preferiram fechar os olhos diante daquela cena. Não há nada que se possa fazer, foi ele quem desejou esse destino.

Nisso escutei sua voz: eu caminho nessa linha todos os dias - e sorriu um riso amarelo. Voltei para a realidade, despedi-me apressadamente e não nos vimos mais.

Rasga Coração


Rasga coração

Esvai-te Paixão

Esse lugar é muito pequeno

À tua morada

Saia do meu peito

E vá em busca de outro

Esse já não te serves mais,

Tu cresceras demais

E agora já não é possível

Sustentar-te aqui dentro sozinha

Por isso te liberto

Busque um coração desocupado

Que possa te abrigar

Algum que não cobre

Por nenhuma estadia

Ou por qualquer refeição.

Mas não o faça de tolo

Sejas somente Paixão

E quando estiveres bem acomodada

Sentindo o carinho e a ternura

Desse que te protege

Não percas tempo

E me apresente o dono desse coração.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Nada como um dia, após uma noite, um mês
E novamente outro dia e outra noite, um novo mês
E o passar dos meses uma nova estação
E todos os dias e noites das quatro estações, nada como um novo ano.
E ainda outro dia, depois de outra noite, outro novo mês
Todos os dias e noites das quatro estações, mais um novo ano.
Nada como o passar de todos os dias, noites, meses e estações
E o passar de todos os anos, o fim.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Procura-se


Finalmente chegou em casa, abriu o portão e foi correndo abraçá-lo. Procurou por todos os cantos. Onde teria se escondido? Procurou em seu quarto e não estava lá. Olhou a sala e também nada. Revirou a casa: quarto, sala, cozinha, quintal, quarto da mãe, quarto da irmã. Não estava mais em casa.

Teria o gato sumido? Não sei, pelo que tudo indica ele não estava em casa. Foi até a rua e de porta em porta perguntava pelo seu animal. A resposta era sempre negativa.

Então, de tão desesperada, de mulher fez-se um monstro chorão e desesperado. Culpava-se: se ao menos eu não tivesse saído naquela tarde, ele certamente estaria aqui.

Todos que a amam tentaram acalmá-la: pai, mãe, irmã, namorado e amiga. De nada adiantou, fez questão de ofendê-los ainda mais. Aos pais não sei ao certo o que disse, mas ao namorado disse palavras hediondas, sentiu-se ele menor que o próprio gato.

Para com a amiga, fez muito pior e por já estarem abaladas por conta de desentendimentos de outrora, fez questão de afundar o pé sobre ela ainda mais. Xingou e cutucou-lhe a ferida. Que infeliz idéia!

Disse-lhe palavras de repúdio, talvez ela jamais se esqueça disso. Quando ao seu gato, ninguém sabe ao certo sobre seu paradeiro. Caso esteja vivo, voltará para a casa. Mas e a amizade? Se fosse necessário optar entra uma coisa e outra, qual seria a escolha?

As mentes mais sãs, provavelmente escolheriam a amizade e aquele que realmente deseja ver feliz o amigo, daria mil gatos para não perdê-lo.

Até que ponto as relações afetivas dependem de um animal? - Mesmo que esse não seja uma criatura qualquer, mas aquela que se tem um sentimento mais que especial?

Falando por mim mesma, se essa amizade tivesse um custo o qual eu calculasse em "gatos", concerteza eu daria mais de mil deles, quantos ela desejasse ou melhor ainda: traria seu companheiro doméstico devolta pr'a casa. Não obstante, isso não depende de mim.

Em meio a essa reflexão, questiono então a minha significação para essa pessoa e sem muito o que fazer, decido por nada fazer, deixo estar. Somente o tempo dirá.

sábado, 28 de novembro de 2009

Almas Antigas



[ ao meu grande amigo Marcel ]





Se nossas Almas fossem um pouco mais jovens, viveríamos um dia após o outro, sem pensar muito no futuro. Seríamos mais inconsequentes, aproveitáríamos cada momento sem pensar. Nossa Vida, então estaria totalmente voltada para o nosso próprio prazer. Seríamos perfeitos seres bacantes, imundos e insaciáveis.

Isso tudo se nossas Almas fossem um pouco mais novas, mas elas não são mais. Em tempos remotos, elas gozaram de tudo o que lhe foi possível. Fortuna, amor, luxo, diversão e alcolismo. Em meio a tanto prazer, essas Almas jovens cavaram a própria cova.

Não obstante, deram-nos uma nova chance. Agora finalmente renascidos, novos corpos, novas mentes, mas a Essência continua a mesma.

Nossas Almas são antigas, sei que realmente são, pois ao olhar às demais, vejo a ingenuidade que eu mesma possuía. É nesses jovens que repousam todo o motivo de viver a Vida novamente.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009


E hoje, finalmente, choveu. Foi a chuva da primavera do dia 26 de novembro de 2009. Sei que isso é verdade, pois posso escutá-la de dentro do meu quarto. Cai calma, serena e ainda é possível escutar a televisão sem se preocupar em aumentar o volume. Dentro de casa, há um pouco de tédio. O mais divertido é quando estamos em qualquer lugar descoberto. Quem nunca brincou na chuva? Até mesmo quando os velhos eram menos velhos e os seres mais alérgicos já fizeram brincadeiras em meio a garoa.

Aquele que nunca brincou na chuva talvez jamais tenha nascido no planeta Terra, está aí mais uma condição para ser considerado terráqueo: tomar chuva alguma vez na vida.

E eu, pensando nisso, vou ainda mais além. Estar com quem se ama debaixo do desabar dos céus é um grande presente de Deus. Jogam as capas e o guarda chuva e entram em mais profunda sintônia com o Cosmos. Está então, sacramentado o Amor.

Borboleta



Hoje pensei em sentir sua falta, consegui chorar algumas lágrimas, coração apertou. Eu voltava para casa e em meio a estrada de terra, uma borboleta azul cruzou o meu caminho. Aí lembrei de sorrir e seguir em frente.

quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Imaginário


Quando estou feliz, a ponto de quase sair de mim mesma, gosto de dar partida no carro e andar por aí sem rumo. Aumento o volume do rádio e saio. Cruzo faróis, avenidas e ruas cantando. Há quem pense que sou louca. É um momento mágico entre eu e eu mesma.

Quando tocam músicas que me fazem lembrar de você, é como se naquele momento, você se materializasse no banco do passageiro. Você me olha, sorri e juntos cantamos uníssono. Tudo está bem e em perfeita harmonia. Aproveito cada segundo ao seu lado até chegar a hora de descer do carro.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Aos meus conterrâneos


Faço versos para mim mesma. Prefiro não me iludir ao pensar que algum sujeito lerá tudo isso um dia. Mas de que importa? Faço-os para mim mesma e é isso que importa. Às vezes espero que ninguém leia isso, mas somente uma pessoa dentre os sete bilhões de seres humanos que habitam o Planeta Terra. A poesia é a materialização dos sentimentos humanos, sentimentos esses que fazem os terráqueos se sentirem um pouco mais humanos. E pensar que cada um desses sete bilhões de terráqueos ou seres humanos são existências singulares, caberiam tantas essências distintas em frascos tão pequenos? Não obstante, não há metafísica terráquea que seja suficiente para responder a essa indagação.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Síntese sem antítese


Prefiro não argumentar com pessoas convictas. O motivo é muito simples: indivíduos assim acreditam que suas idéias são absolutamente corretas, dessa forma, dispensam o processo dialético combatendo assim qualquer proposição do interlocutor, ao invés de juntos somarem pensamentos. Daí a origem de muitas discussões homéricas ou de diálogo entre surdos. Para convencer alguém, a melhor retórica é, sem dúvida a não discussão. Deixar o tempo agir ou permitir que ela analise por si mesma evita conflitos desnecessários.

Naquela estação


Hoje faz dois meses que você me deixou naquela estação. Peguei meus apetrechos para partir no próximo trem das oito. Foi o único dia que passei ao seu lado, ansiamos tanto a chegada dele e num passar frenético das horas nosso tempo se esgotou.

Não sei porque fiquei tão angustiada na hora da partida. Talvez, no meu íntimo eu soubesse que era o nosso primeiro e único encontro. E você, tão ingênuo me consolava, dizia que para encontros futuros a despedida é necessária. Engoli meu choro, subi no veículo e nunca mais voltei.

domingo, 15 de novembro de 2009

Um sabiá



Hoje nem bem cheguei em casa e minha mãe veio ao meu encontro. "Venha ver" e estava deveras contente, com o brilho nos olhos e assim me aproximei para olhar aquilo que ela desejava mostrar. Uma caixinha de madeira. Não tinha tampa e no seu interior um ninho de pano. Um passarinho. Tão pequeno e frágil. Nem as penas havia nascido no seu minúsculo corpo. Olhei para a criatura e senti uma aflição grande. "É só um filhote de sabiá" - respondeu ela em tom repreensivo e observei o modo que ela alimentava o pequeno, como se fosse sua própria mãe. Indaguei se ele havia caído no ninho e ela sorrindo respondeu que não, fora tirado de lá naquela tarde mesmo. Daí senti uma enorme compaixão pelo pequenino - tão novo e já privaram-lhe a liberdade - nisso ele esticava o pescoço para alcançar o alimento que ela oferecia. "Mãe, a senhora teve coragem de tirá-lo da própria mamãe sabiá por egoísmo?" E argumentou que sempre desejou ter um pássaro como aquele e prometeu dar-lhe amor para um dia abrir a porta da gaiola e deixá-lo voar durante a tarde e prendê-lo somente a noite. Depois de dizer isso, não a condenei mais, mas nem tampouco passou a minha tristeza. Ela desejava ser amiga de um pássaro. Desejava cativá-lo, ser amada por ele um dia, por isso é preciso prendê-lo.

Então, fiquei refletindo sobre o significado do verbo cativar. Possui uma sonoridade singular, se encaixa muito bem em poesias, sugere algo bom, caloroso e apaixonado. No seu sentido racional, lembro de um escravo preso em seu cativeiro.

Aí penso novamente no pobre sabiá - a comida nunca lhe passará longe do bico, jamais precisará se preocupar em consegui-la. Se vai comer hoje, amanhã ou depois somente seus irmãos se preocuparão com isso. Não dormira nenhuma noite ao relento, não sentirá frio e também jamais brigará com outros sabiás por fêmeas. Mas jamais aprenderá a voar. Até que ponto os fins justificam os meios?

sábado, 14 de novembro de 2009

Entre as árvores


E hoje tudo foi diferente.

Você não me viu mais sentada naquele lugar,

Lugar aquele que era somente nosso.

Você estava lá,

E pude te ver somente de longe.

Te espiava escondida entre as árvores

E você ingênuo não percebeu.

Antes eu estava sempre lá,

Passando sempre a suas vistas,

De cá pra lá,

Pra quem sabe você me notar.

Poucas foram as vezes que você se dirigiu a mim,

Era eu quem ia te procurar.

Mas a partir de hoje tudo foi diferente.

Me escondo entre as árvores

Para um dia, quem sabe

Você sentir minha falta.

domingo, 8 de novembro de 2009

Esperando o ônibus

Esperar o ônibus é um martírio,
Os carros passam,
E passam.
Os faróis estão ligados,
A chuva cai quieta,
E o ônibus não vem.

E os carros ainda passam,
E não cansam,
Seguro o guarda-chuva
Apenas espero, onde ele está?
E os carros ainda a passar...

As pessoas chegam ensimesmadas,
Também a espera de algo ou alguém,
Ou a espera de ônibus.
Carros sobem
Carros descem.
Onde ele está?

Os postes, as pessoas, os prédios,
Os carros, a fumaça, os papéis,
As janelas, os cadernos, as folhas,
E ele onde está?

O asfalto, a lama, a chuva,
E se ele chegasse?

Os cachecóis, os chicletes, a chuva
E se ele aparecesse?

Os cabelos, o vento, a garoa,
E se ele surgisse?

A mochila, o agasalho, os braços...
Se me buscasse?

O rosto, os olhares, os olhos, as pálpebras...
Se me levasse...

O abraço, o calor, a respiração...
Se me raptasse...

O cheiro, o gosto, a voz, o toque...
Se me amasse...

A pele, a excitação, o suor, seu corpo
Meu corpo, meu e seu, seu e meu e um ônibus.

Eu em você, você em mim e uma buzina.
E o ônibus? Se foi...

O enjoo



E ontem uma dor dilacerava a minha cabeça, parecia que ia raxá-la ao meio. Na cozinha o cheiro do frango cozido que embrulhava o estômago. Mas e o coração? Uma pequena fagulha de angústia, ligeiro aperto de saudade.

Até que ele apareceu. Fazia perguntas. Por que perguntas? Por que preocupações? Se não ama mais, por que se preocupa tanto? Por que insiste em dizer que não sente? Não me atrapalhe, pois, com suas certezas e perguntas. Se já não é mais o sentimento de outrota, por que me culpas se os meus ainda são os mesmos?

São somente os meus sentimentos: minha paixão, meu amor. Todos aqui dentro do peito. Prefiro não recalcá-los. Fazer resistência é pior. Por isso deixo-os no lugar em que estão, é como parar de regar uma flor. Um dia ela murchará por si só, não é preciso pisá-la.

E o mal estar? Não sei. A dor passou pela garganta adentro, me fez chorar e agora se alojou no coração. Prefiria que ela não tivesse saído do seu lugar.

quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Cansaço



Quando vejo a escuridão da noite sei que é chegada a hora de dormir. Momento em que o abrir e fechar dos olhos tornam-se mais difíceis, demandam maior energia daquele que teima em resistir ao próprio cansaço. Contra ele não há nada que se possa fazer. Até os homens mais fortes e poderosos desse mundo rendem-se ao próprio sono. Hitler e até mesmo um Messias não resistem a um belo travesseiro após um dia cheio de trabalho - independente da finalidade desse, sendo boa ou ruim - não há sobre a face da Terra um Anjo ou um Demônio que nunca tenha parado para descansar durante a noite.

Há ainda aqueles que teimam em ficarem acordados a noite. Mas de nada adianta, pois tem que oferecer o dia para o próprio repouso. Para saber se o corpo está vivo, basta somente o cansaço. Esse revelará com exatidão onde fraqueja a tua matéria.

Na Bolha



Gosto de brincar com bolhas de sabão.
Assopro sobre a espuma e vejo
Aperto os olhos e admiro
O voar das bolhas de sabão.

Quando estão subindo ao céu
Brilham, refletem as cores do arco-íris
E em seguida,
Estouram.

Mas não desisto.
Assopro sobre a espuma novamente,
Vejo nela o meu reflexo:
Ah, como eu gostaria de nessa bolha estar!

E de fato estou.
A brisa calma me leva.
Olho para baixo e lá está
Minha mãe acenando para mim.

Seu olhar aparentava tristeza,
Mas apenas observava o meu partir,
E eu subindo contemplava
O seu permanecer.

Sua imagem tornou-se pequena,
Mas minha visão se ampliou.
A tudo consigo enxergar,
Mas me surpreendo.

Olho ao meu redor,
Encontro crianças como eu.
Também em suas bolhas de sabão,
Acenando para suas mães.

E todos se olham e sorriem;
Conversam, contam segredos,
Soltam deliciosas gargalhadas,
Tornam-se amigos.

Fazem tudo juntos,
Até mesmo brincam.
Brincam dia e noite
Como se fossem crianças comuns.

A brincadeira é divertida
E as crianças se esquecem
Do passar do tempo
E de voltarem para casa.

11/05/2007

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Viagem pela noite adentro

Hoje eu dirigia pela noite adentro ouvindo músicas lentas. Rasgava a estrada e o faról iluminava o caminho de casa. A imaginação ou talvez a necessidade de recordação corriam mais depressa que o próprio carro.
Assim fui parar em tempos remotos, tempos esses que eu era feliz. Não há porque lamentar o presente quando se tem tudo o que lhe é necessário para a felicidade. Mas pode-se chorar de saudade daquilo que se viveu e hoje não se tem mais.
E ainda dirigindo pela noite adentro, deparei-me com o luar. Sabia que era a lua porque o céu era escuro, mas ela era dourada feito Sol. Era a lua da primavera do terceiro dia do décimo primeiro mês do nono ano do segundo milênio após a vinda de Cristo.